O interior de São Paulo me surpreende cada vez mais a cada gig que compareço ou toco. Sempre algo que sei que nunca verei na capital paulista acontece ali e faz o evento em si ser marcante, apesar da pouca importância e relevância que dão aos esforços de quem faz as coisas acontecerem fora da capital. Posso citar como incomparáveis coisas como a energia do público nos shows na região do Vale do Paraíba (neste ano meio carente de grandes eventos punks e consequentemente o público se dispersou), Festivais como o Expressão Marginal, realizado nas regiões de Sorocaba e Votorantim (especialmente a primeira edição, realizado numa chácara distantíssima da civilização, verdadeiramente no Meio do Mato), a galera que comparece no Plebe Bar em Indaiatuba, a receptividade dos Punks do Rio de Janeiro, O sacrifício dos Punks do sul de minas gerais em encarar horas de viagem em vans que partem de várias cidades para uma simples gig numa cidade “próxima” , ou nem tão próxima assim – tirando de exemplo o “logo ali” de mineiro que são quilômetros –, a grandeza do Festival Araraquara Punk, que lota um espaço enorme com shows de bandas só da região , enfim... Muitos exemplos de muitos locais em que passei em que o Punk é levado a sério e com todo o amor e esforços a que se tem direito, afinal, como se sabe, se na capital já é difícil manter um espaço para realização de gigs, imagine em locais onde não se tem muitas opções de lazer. Mas ontem, duas coisas em especial me surpreenderam: Uma de forma positiva e outra de forma negativa. Pra não matar mais esta postagem maçante e chata logo no começo, no decorrer da resenha será dito o que foram estas surpresas e minhas impressões. Mas agora senta, que lá vem história...
Em mais um fim de semana tipicamente mundrungo, estilo de vida que tento deixar ou ao menos moderar a intensidade, sem sucesso. Na anterior noite longa discotequei para poucos e bons amigos no Porão, em Itapevi, no Arraiá Punk ( o rolê mais gostoso – em termos de sabor - do ano, com direito a muito caldinho de feijão, caldo verde, quentão, vinho quente e outras guloseimas), que ainda contou com Gringo e Daniel do Sp Paranóia e o Ariel (que já foi citado neste blog umas 89784379479437934797932793774327493293 vezes) no revezamento das pick ups do Virtual DJ, devido a um pequeno problema que impediu em partes o funcionamento do som de vinil - mas os mesmos clássicos estavam no HD do computador . Como o porão é muito, mas muito, mas muito Longe do Itaim paulista e haja vista a hora em que saímos de lá, era inevitável o que já era de se esperar: Iria Virado pro rolezinho na simpática cidade em que tudo é grande – e a cerveja é barata!
Por volta das meio dia, os ocupantes da caótica van (Integrantes do Pé Sujus e do Herdeiros do Ódio e uns convidados especiais para ajudar a tornar a viagem mais glamourosa e cheia de requinte) se encontraram na catraca do metrô Jabaquara e antes de irem para a van abasteceram o estoque de entorpecentes líquidos legalizados e sofisticados que deixa bafo e ressaca no entreposto do conglomerado do Abílio Diniz logo ali ao lado localizado. Em pouco mais de uma hora de viagem, chega-se ao destino: ITU.
O evento, denominado Gritos Suburbanos, pela quantidade de bandas prometidas no flyer (11 no total), parecia até um evento de grande porte. Mas era o segundo evento de um garoto que está começando agora sua jornada de luta prática e no movimento Punk e da forma correta. E, assim como ele, já fiz a cagada de colocar um monte de banda num evento com quase nada de estrutura. Mas só se aprende errando. Não que o evento tenha sido um erro – aliás, foi uma excelente iniciativa de um garoto chamado Danilo, que toca na banda Sujos por Opçao e tem 14 anos (!!!), o que me surpreendeu e muito – afinal somente o conhecia pelo velho de guerra Orkut (que Deus o tenha em breve). Depois desta eu nunca mais vou me gabar de ter organizado o meu primeiro som com 16 anos e vou usar este garoto como referencia hehehe... O problema em colocar muitas bandas num evento totalmente faça- você –mesmo- e -que-tomara-que-os-outros-ajudem é justamente a imprevisibilidade de tudo que for necessário estar á disposição e da ajuda que lhe foi prometida ser cumprida, além de mínimos detalhes que parecem idiotas serem cruciais para a realização do evento (como ter tudo, menos um benjamin, uma tomada a mais ou um ridículo fusível de 2 amperes que poderia substituir um item igual queimado no único ampli de guitarra que tem para ser utilizado na gig num domingo a tarde, onde tudo está fechado e longe do alcance), acarretando assim em atrasos e consequentemente no tempo de apresentação de cada banda, que no final das contas nem todas gostam de colaborar em termos de redução de repertório. E quando achávamos que estávamos atrasados, chegando ás 15 horas (no flyer o início seria meio dia, e um esboço de horário foi enviado por mim ao Danilo uns dias antes para que começasse ás 14 hs com 40 minutos de palco para cada banda), vimos que ainda faltava coisas como Microfone, uma extensão a mais e ferragens de bateria. Tais problemas foram resolvidos em parte ás 16 horas, quando a primeira banda teve condições de iniciar sua apresentação.
Entre problemas, entraves, dificuldades e o ainda aprendizado do organizador, o evento seguia normalmente com a galera pogando e em grande quantidade. Mesinhas de venda de materiais faziam a festa de quem estava atrás daquele cd, ou daquele patch, camiseta, e por aí vai. Cerveja Guitts a 2 reais a garrafa (e reza a lenda que dependendo do buteco o litro da nova Schin é 2 reais) e muitas meninas bonitinhas, embora bem novinhas,assim como muitos meninos novos simbolizando a nova geração do Punk, e para vergonha dos velhotes que acham que não existe mais punk, eles que estavam ali fazendo toda aquela grandeza acontecer.
A primeira banda a tocar, Restos de aborto, de Tatuí, abriu o evento com seu repertório formado em sua maioria por covers e uma ou outra música própria, fazendo o minúsculo buteco ficar menor ainda em termos de espaço livre para circulação – estava tomado pela roda de pogo que ocupava cada milímetro do ambiente.A banda existe há 3 anos, tem uma demo de 3 musicas na praça e em entrevista-cobrança exclusiva de minha parte eles prometeram pro próximo ano um repertório só de musicas próprias – as 3 da demo, que ganhei, são ótimas.
E a empolgação do publico era tanta que não demorou para que o balcão de vidro do bar fosse logo quebrado pelo impacto da queda de pessoas que agitavam num espaço pequeno mas não via os limites do espaço. Nesta situação o dono do bar queria parar o som, mas pedi para que continuasse o som pois tinha muita banda que veio de longe e que bastaria algum tipo de barreira e pedir para que os punks pegassem mais leve no pogo – uma placa de madeira foi colocada em frente ao balcão e o som continuou, apesar das pessoas ainda agitarem como se não houvesse algo mais - e que agora poderia até machucar – perto da rodinha.
A segunda banda foi a Geraçao Ofensiva, com o novo baixista Josias. O repertório foi um pouco modificado, mas a banda está muito bem e o som redondinho, aproveito até para parabenizar o novo baixista pelo fato de mesmo ter pouco tempo de ensaio já está fazendo sua tarefa muito bem. As músicas do Geraçao estão na ponta da língua da galera da região, que cantava junto as musicas com a vocalista Ana, que se empolgou tanto que até cantou em cima do grande ampli de baixo em boa parte do show.
Terceira banda a tocar, a banda Condenados, do ABC paulista, já velha de cena e com nova formação (com destaque á vocalista Natália) mandou ver seu hardcore bem executado, curto e grosso, mas ainda que com um pé no freio. Já vi um show deles em Lorena em que as músicas estavam em uma velocidade que beirava o power violence, mas o som atual está mais pogante e com mais pegada. E o típico cenário do público dando os pulinhos de lado com os cotovelos para trás tomou conta do local.
A Quarta banda, Herdeiros do Ódio, também fazia apresentação de novo integrante: O guitarrista Biel (ou charada, ou Carioca), que toca também na Kokeluxi Aidética e já passou pela Cegos pelo Ódio. O show foi bem curto, mas as músicas do Herdeiros do ódio estão longe se ser coisa que passe dos três minutos, afinal é puro Hardcore pra sueco e finlandês ver e morrer de inveja: Brutal, tosco, rápido, energético e sob efeito de muita caninha 21 comprada no pao de açúcar do Jabaquara. O estreante se saiu muito bem em sua missão e a banda voltou a dar trabalho pro já esbagaçado balcão , com eu tentando ajudar a proteger o que restava do mesmo dando empurrões no povo que se aproximava de forma mais brusca do coitado do balcão. Coisas de Punk.
Quinta e última Banda, foi a vez da Pé Sujus. Última por que? Depois eu conto. Só o que tenho a dizer agora é que tocar em buteco de periferia é uma das melhores sensações que uma banda punk pode ter, tanto que muitas bandas que tinham tudo para ser atrações exclusivas de casas renomadas e de estrutura, como é o caso de muita banda “correria”e “suburbana” não abrem mão de estarem ali tete-a-tete com o público com um equipamento simples e num local mais simples ainda. Mas o show de ontem teve sabor especial, negativa e positivamente. Negativo pois o guitarrista Cesar anunciou que saiu da banda e seguirá no shows marcados, até setembro, e já tocamos sentindo a falta dele e ele já sentindo a falta de mais momentos como aquele com frequência em sua vida. Mas, positivo, e muito, era ver que ali tinha gente que estava ali para nos ver. Que sabia cantar nossas músicas e com vontade, até mesmo as não gravadas e que só estão em vídeo tosco no youtube com qualidade mais ou menos de áudio. Que agitava freneticamente e tomava o microfone para cantar junto, que me fazia ficar mais empolgado e pular mais alto, instigando o público a fazer o mesmo. Até o dono do bar, vendo eu ali a seco cantando me deu uma valiosa garrafinha de água e ainda disse que gostou do som... parece até coisa de banda iniciante que começa a ver que tá dando certo. Mas valorizar o subúrbio, os pequenos detalhes, e as coisinhas mais bestas nos fazem ficar eternamente com esta sensação, até mesmo pela impressão de dever cumprido ao ver tudo isso e ver que é culpa sua – não importa quantas vezes. Depois disso preciso descrever nossa apresentação?
Enquanto a sexta banda, o Antagonicos, ia preparando sua apresentação e montando os equipamentos, algo que me surpreendeu negativamente rolava na rua: Um quebra-pau. Quebra – pau é sempre assim: um grupo ou pessoa briga com outro grupo ou pessoa e vem mais gente defender um lado, que atrai gente para defender o outro, enquanto que vem gente pra separar e toma soco de um dos lados e passa a brigar pelo outro lado que por outro lado já não tem mais nada a ver com a confusão pois outros grupos se formam no calor da discussão e o que se vê é um monte de gente gritando, debatendo e se batendo. A motivação, segundo os punks da organização eram os “punks velhos”que foram levar uma com os novos guerreiros, mas daí já não se sabe quem deu o primeiro golpe ou se era isso mesmo. O que se sabe é que a força tática não demorou a aparecer, dispersando os brigões, enquadrando outros, fechando o bar e ostentando suas espingardas calibre 12, como se este tipo de arma fosse necessário para separar uma briga. E desta forma encerrou-se o evento, infelizmente.
Saldo Final: das 11 bandas, 5 tocaram, 2 não vieram (protesto e fúria e Misfits cover) e 4 não tocaram devido á confusão (além do Antagonicos, Psicultura, Sujos por Opçao e QQSA ). Um balcão de vidro estraçalhado. Um final trágico para um evento lindo que acontecia, que poderia ter sido muito feliz se não ocorresse tal coisa desnecessária que é a briga. É a isso que a violência leva: Á perda de espaços, ao avacalhamento da diversão alheia e a deturpação da luta e do fruto do esforço de quem dá o sangue para as coisas acontecerem. Me surpreendeu isto pelo fato de eu ter saído de são Paulo para fugir destas patifarias que costumam acontecer aqui e ver uma em dimensão maior do que muitas que já tiveram por aqui. Mas aí não é culpa da organização, nem do bar, como pensaria a polícia, mas de quem não tem respeito pela luta de quem faz as coisas acontecerem. Meus parabéns ao Danilo e aos Meninos do Sujos por opção, de todo o coração, pela iniciativa. Por mais que estivessem ausentes em momentos necessários e bem perdidinhos, isto serviu para aprender a planejar melhor as coisas e irem com calma, com pé no chão. Brigas, dependendo do local ou do humor de um idiota qualquer serão meio que rotina e é preciso ver ações para que se previna ou minimize os efeitos de uma briga. Mas Não desistam. O próximo vai ser maior e melhor!